segunda-feira, 26 de agosto de 2024

👻 ESPIRITISMO BRASIL: UM POUCO DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA

by @LygiaCabus

O Brasil é a maior nação espírita do mundo. É o país do mundo com o maior número de adeptos desta religião em inúmeras vertentes de pensamento e práticas diversas.

Importada da França, a escola espírita de Alan Kardec cresceu rapidamente em terras brasileiras e nas mentes brasileiras incorporando elementos da cultura local.

Neste país sempre propício a diferentes aspectos do processo de mistura de etnias e costumes, o Espiritismo se divide em duas concepções do Além: a popular e a erudita. 

Elas diferem entre si em teologia e liturgias. Essas duas vertentes podem ser distinguidas considerando sua cultura, sua estética, folclore e até mesmo seus aspectos éticos.

Há o Espiritismo Ortodoxo, uma concepção clássica, baseada, essencialmente, nos ensinamentos de Alan Kardec. A outra é uma concepção sincrética. 

É um ponto de vista que mistura elementos: os africanos, os europeus, os indígenas e as ideias mais exóticas, de origem mais recente. É uma concepção típica do Brasil, mas tem seus similares, entre religiões do México e Caribe.

Esta última configuração, considerada uma solução sincrética, instrui o pensamento religioso dos cultos afro-brasileiros. 

São eles: o Candomblé, a Umbanda e a Quimbanda. Neste universo habitam santos, anjos, espíritos, deuses africanos. Um panteão de entidades.

SOCIOLOGIA  E  ANTROPOLOGIA 
DOS ESPÍRITOS 
DESENCARNADOS BRASILEIROS
O Preto Velho, um arquétipo social, tornou-se uma entidade, uma espécie de modelo espiritual ou manifestação espiritual. Ele independe da etnia da pessoa incorporada: a pessoa que recebe o espírito, também chamado de "cavalo".

Assim como existe a Geografia Humana, existe também a Geografia Espírita. O Mundo Espiritual também tem seus arquétipos. Esses arquétipos são configurados, de acordo com seu ambiente cultural. Eles representam tipos humanos que são inspirados na vida real.

Dessa forma, os cultos locais afro-brasileiros são visitados por entidades populares que têm seu comportamento, seu modo de ser, definido em uma personagem folclórica. Personagens que estão relacionados a um todo complexo de fatores sociais. No entanto, todos eles, os tipos humanos, são retratos da dinâmica econômica do lugar, da região.

Os "Terreiros" são os espaços onde os adeptos dos rituais realizam suas práticas de cerimônias religiosas afro-brasileiras. Esses lugares são, geralmente, grandes barracões ou grandes praças, mas, podem ser pequenas casas pobres, também, ou um apartamento no meio de uma metrópole.

Essas praças e instalações, são frequentadas pelos espíritos de mestiços conhecidos como "O Caboclo", "A Cabocla", "Preto Velho", "Maria Mulambo" etc.

Esse tipo humano é entendido como o resultado da miscigenação entre os nativos do Brasil, amerabas, com brancos europeus, portugueses, franceses, espanhóis, holandeses e negros africanos.

Assim, são comuns também, especialmente na Umbanda e Quimbanda, figuras como os "Caciques", "Pajés" ─ xamãs, curandeiros e guerreiros indígenas.

Nas praças e barracões da Umbanda e da Kimbanda (Quimbanda) também aparecem os tradicionais "Pretos Velhos" e "Pretas Mães". Estes, muitas vezes seriam espíritos de antigos escravos.

Os arquétipos citados acima pertencem ao período histórico do Brasil-Colônia e às primeiras décadas do Brasil-Império, quando a terra deixou de ser colônia e obteve a condição política de Reino-Unido com Portugal, (1815).

O MALANDRO
(Zé Pelintra)
Nas sessões espíritas, reuniões, dos cultos afro-brasileiros, com a evolução dos costumes, surgiram outros perfis, reflexos do surgimento de novos papéis sociais. São tipos urbanos porque são habitantes da paisagem urbana.

O malandro conhece tudo sobre a zona mais suspeita da cidade, mas também é amigo dos ambientes sofisticados onde o dinheiro troca rapidamente entre as bolsas. Tem muito charme pessoal e muitas surpresas inesperadas em seu chapéu. Muitas vezes, toca violão e canta com boa voz.

A POMBA-GIRA
[algo como pomba louca ou, 
mais apropriadamente, galinha louca]
Algumas das entidades típicas, são espíritos femininos, almas daqueles que foram mulheres. O mais famoso desses arquétipos femininos é a Pomba-gira.

Essas entidades, geralmente, são jovens mulheres que sofreram uma morte trágica. O perfil da Pomba-gira é, quase sempre, escandaloso.

Elas eram mulheres que erraram o caminho da vida. Ela é a mulher seduzida e abandonada que perdeu sua honra. Ela foi deixada sozinha, muitas vezes, em estado de gravidez. A sociedade rejeita essas mulheres. Seu lugar é a rua, onde elas buscam um homem para pagar o pão de cada dia.

Para as mulheres perdidas, o lugar único são os becos da má fama, onde ela pode afogar a consciência no fundo dos copos, nas bebidas dos pobres, nas drogas, na dança frenética e sem nenhum sentido. Em outros casos ainda, as Pomba-gira eram jovens mulheres que tiveram uma vida infeliz em um casamento sufocante.

Todas elas morreram em estado de inconformismo. Muitas mulheres foram abandonadas por suas famílias. Muitas mulheres sucumbiram à pobreza, à fome, à fraqueza. Muitas morreram de mal dos pulmões: tuberculose.

ALMAS PENITENTES
Pelo que sabemos sobre almas atormentadas, essas mulheres e homens, suas vidas sofridas como escravos de um passado morto, a memória dolorosa do nativo humilhado em sua terra, da África às colônias, ainda na África, começando pela África, todos esses espíritos têm motivação para permanecer neste planeta assombrando as reuniões esotéricas.

Eles são presos e irresistivelmente atraídos por suas afeições e desafetos cultivados neste mundo. Os supostos poderes das Pombas-giras são procurados por homens e mulheres que não sabem processar e controlar suas emoções, assim como as entidades desencarnadas que reivindicam o direito de permanecer neste mundo porque sofreram neste mundo.

Seus objetivos são:
1. Eles geralmente querem segurar o ente querido. Querem forçar situações pelo uso de bruxaria.
2. Vingança, quando sentem seu orgulho ferido. São pessoas rejeitadas ou pessoas que nunca estão felizes com o que têm.

Eles estão sempre querendo algo ou mesmo toda a vida de outras pessoas. Invariavelmente, os clientes das Pombas-Giras são indivíduos insatisfeitos que têm muita revolta sem nenhuma utilidade, sem nenhuma razão.

O mesmo processo, de apego a pessoas e experiências terrenas de uma vida, ocorre com os outros tipos populares também.


O Malandro, sempre envolvido com negócios obscuros. Ele é um fora da lei, imerso em bebidas, trapaças, mentiras e luxúria. Até mesmo os "Pretos velhos" e "Pretas Mães": eles bebem e fumam durante suas demonstrações, ao exibir a sabedoria forjada no fogo do sofrimento de vidas passadas.

No contexto do Espiritismo essas características sociais e comportamentais são importantes porque são sinais claros do tipo de mente-espírito relacionado a cada uma das religiões afro-americanas.

Esses personagens populares, esses espíritos, que são arquetípicos de pessoas comuns, de certa época histórica, escravos, trabalhadores, capatazes, vaqueiros, mulheres seduzidas, indígenas e mestiços são fantasmas, assombrações, como qualquer fantasma.

Essas entidades são os mestres e guias típicos do terreiro, casa ou tenda da Umbanda e da Kimbanda. Nesses cultos, a mitologia da África emerge sem força, com sua identidade distorcida pelas influências europeias e indígenas, e pelas circunstâncias peculiares de formação de suas doutrinas.

ESHUS (EXÚ/EXÚS)

O legado africano mais importante para o pensamento religioso da Quimbanda e da Umbanda é o Exú [Eshu]. No Panteão da África, Exu é uma divindade proeminente. É uma espécie de correlato africano do Hermes grego.

Exu é o mensageiro, intermediário entre os homens e os deuses; na Umbanda e na Quimbanda, intermediário entre os vivos e os mortos.

Mas, enquanto no Candomblé Exu é filho de um deus, no contexto da Umbanda e da Kimbanda, há muitos Exus. Todos eles, mensageiros que servem aos propósitos dos sacerdotes e dos adeptos dos cultos.

CANDOMBLÉ

O pensamento religioso dos africanos no Brasil encontra-se mais preservado no Candomblé. Na doutrina e liturgias do Candomblé, as forças das entidades permanecem ainda transcendentais.

São deuses porque são as forças da Criação e da transformação de Todas as coisas. No Candomblé, as entidades não são simples espíritos. São grandes Espíritos! Alguns são representações de poderes da Natureza.

Outros, são ancestrais nobres e lendários. São patriarcas, matriarcas, reis, rainhas, guerreiros, heróis. Eles encarnam o melhor e o pior do ser humano. Suas virtudes e seus vícios.

São os Orixás. Assim, o Candomblé se mantém distante do Espiritismo Kardecista e mais próximo do animismo e dos cultos ancestrais.

A típica Teologia e Cosmogonia que sempre aparece entre a maioria dos povos primitivos deste planeta.

O KARDECISMO


O Espiritismo moderno ocidental dos anos 1800, encontrou espaço na sociedade brasileira através da doutrina Kardecista. A sistematização das ideias em uma linguagem correta, condizente com o cristianismo, abriu as portas de todas as classes sociais para a aceitação pública da crença na reencarnação.

No Brasil, as sessões espíritas kardecistas não são frequentadas por tipos folclóricos, não! Lá, aparecem fantasmas da História! Espíritos de personagens notáveis, de muitas épocas, de muitos lugares do mundo.

Os Kardecistas recebem espíritos de celebridades. É maravilhoso! São filósofos, escritores, padres e papas, freiras, santos, anjos, médicos, artistas em geral, e outros.


Espíritos de pessoas como Platão, Sócrates. Ultimamente, médiuns espíritas têm feito contato com o espírito do Rei do Pop, Michael Jackson. Como é moda, outros cantores estão falando, do Além para o mundo, usando a internet. Coisas do Agora... da Pós-modernidade. Vamos meditar.

Desde que a religião, o Espiritismo Kardecista chegou ao Brasil com sua origem francesa, uma parte dos intelectuais cristãos se tornou adepta à ideia.

Isso abriu caminho para o advento e crescimento da literatura espírita brasileira em seu gênero mais curioso: a psicografia, também chamada de Escrita Automática.

Na ocorrência da Escrita Automática os autores dos livros são desencarnados. São espíritos que usam o corpo de um médium para falar ou escrever.

Os títulos desse tipo de literatura são muito numerosos no Brasil. Apenas Chico Xavier [1910-2002], o médium mais famoso do país, escreveu centenas desses livros.

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