domingo, 18 de agosto de 2024

🕵️‍♂️ CIGANOS: OS INTOCÁVEIS

#antropologia #ciganos #historia #povosmisteriosos
by @LygiaCabus,  maio de 2011


O mestre ocultista francês Eliphas Levi (1810-1875) escrevendo sobre os ciganos em sua História da Magia refere-se, com detalhes, à antipatia européia por este povo enigmático.
 
Considerando a possível relação da etnia com os antigos indianos, as críticas de Levi são coerentes (com o pensamento dele) posto que este mestre da chamada Alta Magia Ocidental também considera a Magia da Índia com algo demoníaco. Eis alguns apontamentos históricos e idéias concebidas por Levi em seus estudos:

A Índia, que a tradição cabalística nos diz ter sido povoada pelos filhos de Caim... é por excelência os país da Goetia e dos prestígios. Lá se perpetuou a magia negra... A Índia... é a mãe de todas as idolatrias. Com os ciganos não é diferente.

E, mais adiante, falando especificamente dos ciganos, descreve a chegada dos primeiros grupos na Europa:

No começo do século XV (anos de 1400) espalharam-se pela Europa bandos de viajores morenos e desconhecidos. Chamados por uns Boêmios porque diziam que vinham da Boemia, conhecidos por outros sob o nome de egípcios, porque seu chefe tomava o nome de duque do Egito, eles exerciam a adivinhação, o saque e o roubo. Eram hordas nômades...

[Chegaram a Paris em 1427 mas não lhes foi permitido instalarem-se na cidade.] ...Eram cerca de 120, o seu número, incluindo mulheres e crianças. [E.Levi descreve a aparência dos ciganos]: 

... Quase todos tinham as orelhas furadas e em cada uma um ou dois anéis de prata... Eram por demais pretos [morenos, na verdade] e tinham os cabelos encarapinhados. As mulheres eram as mais feias... que se possam ver: todas tinham o rosto coberto de chagas, os cabelos negros como a cauda de um cavalo... 
(LEVI, 2005 – p 244)

Mas, Quem são, Afinal Esses tais Ciganos? Eliphas Levi reúne as especulações em torno da origem daqueles nômades:
Família cigana. Acampamento. Essex-UK, 1895

Sua religião era desconhecida, apesar de se dizerem cristãos, mas sua ortodoxia era mais que duvidosa. De onde vinham eles? De que mundo maldito e desaparecido...? Eram os filhos das feiticeiras e dos demônios? Que salvador moribundo e traído os condenara a marchar para sempre? Era a família do judeu errante? Não seria o resto das dez tribos de Israel perdidas...?

Não seriam... Não seriam os descendentes de Membrés (ou Jambres), que ousou rivalizar em milagres com Moisés... São os carrascos de se serviu Herodes para exterminar os recém-nascidos [?] ... Enganai-vos... estes pagãos não compreendem uma palavra de egípcio, enquanto sua língua encerra muitos vocábulos hebreus. Eles não são mais, pois, que estes impuros rebentos dessa raça abjeta que dormia nos sepulcros da Judéia depois de devorar cadáveres... (LEVI, 2009 247/248)
Inimigos do trabalho eles não respeitavam nem a propriedade nem a família e perturbavam com sua pretensa adivinhação a paz das pessoas de bem e dos lares honestos. (LEVI, 2009 – p 242)

OS INTOCÁVEIS
Ciganos muçulmanos. Bósnia, 1901.

Cigano quer dizer "intocável", é o que afirma o pesquisador José Jarbas Studart Gurgel*. Vem do grego athinganoi, que transformou-se em atsigane, tsigane. [O termo] define a incomunicabilidade que existe entre esse povo e os demais. Na Espanha seu nome é gitano, resquício da crença em sua origem egípcia. Gurgel assinala que a fama de descendentes do egípcios ou de origem egípcia foi disseminada pelos próprios ciganos (STUDART GURGEL Apud VILAS-BOAS DA MOTA, p 243).

* JOSÉ JARBAS STUDART GURGEL, nascido em Fortaleza, Ceará, em 20 de junho de 1935.

Studart Gurgel é um dos pesquisadores que defende a origem indiana dos ciganos com base em análises lingüísticas. Localizando-os historicamente, no norte da Índia, na região das planícies, aos pés da cordilheira das montanhas Himalaias, 

Segundo Gurgel, a grande "Diáspora" desse povo teria começado a partir daquele ponto geográfico por volta de 900 d.C.. Uma primeira horda de nômades Teria, então, migrado na direção Norte-oeste chegando à Pérsia.

Esse primeiros grupos teriam sido os Beni que, dispersando-se, foram ancestrais de ciganos da Palestina, norte da Síria, Pérsia e Egito; os Pehen, segunda onda migratória a partir dos Himalaias, deram origem aos ciganos que transitaram (e transitam) entre a Armênia, o Cáucaso meridional e Bizâncio.

Os Pehen foram os ciganos que alcançaram a Europa Ocidental e, posteriormente, o Novo Mundo, as Américas.

No fim do século XIV (anos 1300) numerosos clãs ciganos estavam estabelecidos na península Balcânica. Durante o século seguinte, o século XV (anos 1400), pressionados pela perseguição dos turcos, puseram-se novamente na estrada e foi então que começaram a chegar em países da Europa setentrional e ocidental (Norte-ocidental).

Os grupos espalharam-se entre países da região: Hungria, Áustria, Boêmia (parte da antiga Tchecolosváquia, território hoje dividido em República Tcheca e Eslováquia), Hamburgo (na atual Alemanha), França, Suíça.

PERSEGUIÇÃO


Sobre a perseguição aos ciganos ao longo de suas travessias, escreve Gurgel: Na Europa, os ciganos eram perseguidos onde quer que aparecessem. Seu exotismo e seus hábitos nômades [tornam-nos suspeitos e alvo de acusações] de toda a sorte de crimes, principalmente, feitiçaria, envenenamento de cisternas e gado, rapto de crianças e até canibalismo.  

Indianos, egípcios, judeus desterrados, possivelmente os ancestrais dos ciganos incluem essas nações e ainda outras mais. 

Porque sobre os ciganos, uma coisa é certa: são nômades [ou foram essencialmente nômades até muito recentemente]. Isso significa que possuem, de modo geral [entre muitos clãs] uma cultura "estranha", heterodoxa o suficiente para torná-los suspeitos aos olhos das sociedades da civilização sedentária.

O sedentarismo é fortemente associado à estabilidade, segurança, confiança. Os ciganos foram, durante milênios, um povo "sem  endereço fixo", o que constitui falta grave quando se tem em vista a confiabilidade de um indivíduo.

HEREGES


Para piorar a imagem negativa de "bando errante", os ciganos sempre tiveram, contra sua reputação, o fato de serem relacionados com determinadas "artes mágicas".
  
Especialmente as artes divinatórias entre as quais destacam-se: quiromancia, cartomancia, cristalomancia e, eventualmente, algo mais exótico como a cafeomancia.

Na Europa Medieval, na Modernidade, já nas colônias também e, a rigor, até hoje, praticar ou valer-se dessas "artes" é "pecado" de acordo com com doutrina de todas igrejas cristãs. É pecado também entre muçulmanos e uma fraqueza humana lamentável entre budistas.

Mas deixando de lado a correção noética dessas práticas, no que diz respeito aos ciganos, é um traço cultural revelador que permite afirmar com certeza: 

a antiguidade desses nômades na escala do passado histórico. O conhecimento e domínio desses Oráculos, desses métodos divinatórios que, sabe-se são de origem bem remota, essas "artes" sendo mantidas como forte tradição entre os ciganos significa que muito possivelmente todas as hipóteses dos estudiosos estão certas: os Ciganos transitaram pelo mundo, na Antiguidade, desde a Índia, Mesopotâmia, Egito, oriente Médio e depois, Grécia, leste europeu, Ásia Menor, até buscarem as terras mais ao Ocidente da Europa já entre meio-fim da Idade Média.

De cada lugar visitado, país, região, de cada terra que lhes serviu de pouso, eles absorveram um tanto de cultura. Ou seja, adotaram práticas, fizeram escolhas e apropriaram-se delas de acordo com sua própria necessidade e conveniência. Práticas, saberes, do linguajar, da religiosidade, das tecnologias, dos costumes alimentares, vestuário, artes (especialmente musicalidade), convenções sociais.

A cultura cigana é sincrética e apátrida no âmago de sua formação. Somente nas últimas décadas do século XX os ciganos começaram a assumir um sedentarismo significativo, ou seja, muitos já abandonam os trailers, fixam-se em cidades, dirigem empresas, compram e moram em imóveis.

FONTES
LEVI, Eliphas (Alphonsus Louis Constant). História da Magia
[Trad. Rosabis Camayasar]. São Paulo: Pensamento, 2005.
VILAS-BOAS DA MOTA, Ático. Ciganos: Antologia de ensaios. 
Brasília: Thesaurus, 2004

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