Em 2019, autoridades de Kemerovo estavam verificando a causa da neve preta que precipitou-se em três cidades de Kuzbass, um dos maiores campos de minerção de carvão do mundo.
As cidades de Prokopyevsk, Kiselyovsk e Leninsk-Kuznetsky, reúnem uma população de 2,6 milhões de pessoas.
Imagens compartilhadas por moradores locais mostram cenas alarmantes de um inverno escuro. Alguém comentou: "É assim que a neve se parece no inferno?" Outros afirmam que há beleza nas paisagens nevadas e desoladas.
A mídia local atribuiu a crise às usinas locais de processamento de carvão.
O diretor geral da fábrica de Prokopyevskaya, Anatoly Volkov, explicou ao canal de TV Vesti-KUzbass que um filtro parou de funcionar em sua fábrica causando a liberação, no ar, do pó de carvão.
Na época, o vice-governador da região de Kemerovo, Andrei Panov, responsável pela ecologia, se reuniu com ambientalistas locais para discutir o assunto.
Ele sugeriu que aquela usina não era a única causa do problema. Caldeiras a carvão, escapamentos de carros e outras usinas movidas a carvão também foram culpadas.
Nas redes sociais, moradores também denunciaram para outras usinas, alegando que há uma falta de proteção ambiental de longo prazo em uma região cuja força vital é o carvão.
'Sem sistemas de limpeza, todo o lixo, poeira e sujeira, carvão ficam na área. Nossos filhos e nós estamos respirando isso. É um pesadelo', disse um morador da região.
FENÔMENO RECORRRENTE
O fenômeno, porém, não é inédito; ao contrário. Neve negra tóxica é algo já comum na área e não está necessariamente ligada a uma única fonte.
"É mais difícil encontrar neve branca do que neve preta durante o inverno", disse, ao Guardian, Vladimir Slivyak, membro do grupo de ação ambiental sem fins lucrativos Ecodefense.
"Há muito pó de carvão no ar o tempo todo. Quando a neve cai, ele simplesmente se torna visível. Você não consegue vê-lo no resto do ano, mas ele ainda está lá."
Kuzbass (abreviação de Kuznetsk Basin) é uma das maiores minas de carvão do mundo, abrangendo mais de 10.000 milhas quadradas (26.000 quilômetros quadrados).
Um relatório de 2015, da Ecodefense, descobriu que os cidadãos de Kuzbass têm uma expectativa de vida média de 3 a 4 anos menor do que a média nacional russa e têm quase o dobro do risco de contrair tuberculose e transtornos mentais na infância.
CHUVA VERMELHA
Na Sibéria, que seria o maior país do mundo em tamanho se fosse uma nação soberana, desastres ambientais bizarros não sãp raros.
Em julho de 2018, uma cidade industrial siberiana foi encharcada por uma "chuva de sangue" vermelha quando resíduos industriais armazenados de forma inadequada foram dispersos no ambiente por uma tempestade.
Mais tarde naquele mês, uma misteriosa parede de poeira escureceu o sol por 3 horas em Yakutia, uma região que contém algumas das cidades mais frias do mundo.
2024: NADA MUDOU
Vista aérea de Krasnoyarsk
Em Krasnoyarsk, uma potência industrial a mais de 3.300 quilômetros a leste de Moscou, esses alertas de “céu negro” — oficialmente chamados de avisos de “condições meteorológicas desfavoráveis” — são comuns.
Entre o primeiro alerta em 2012 e o final de 2023, 1 milhão de moradores de Krasnoyarsk suportaram 460 desses dias cheios de poluição.
Mais de duas semanas ficaram sob esse alerta até agora em 2024, com o último ocorrendo no início deste mês (Fevereiro, 2024).
Em dias de muita poluição, os moradores são aconselhados a manter as janelas fechadas e evitar ficar ao ar livre.
“Eu moro em Krasnoyarsk desde que nasci, e estou geralmente adaptado à vida aqui. Mas ultimamente, nem eu consigo suportar isso”, disse um morador de Krasnoyarsk ao The Moscow Times.
"Desenvolvi uma tosse seca que não responde a nenhum tratamento, e ela vem e vai intermitentemente. E eu não fumo nem bebo", disse a moradora, que não quis revelar seu nome devido à reação negativa que ela enfrenta como ativista pública.
ECOLOGISTAS INÚTEIS
Em 2017, mais de 1.000 pessoas foram às ruas para protestar contra a sucessão interminável de céus escuros.
Skovorodnikov-Erlikh, natural de Krasnoyarsk, um organizador desses comícios, tornou-se um líder do movimento Za Chistoe Nebo (“Por Céus Limpos”).
“Por volta de 2015 a 2017, ficou mais perceptível, especialmente no inverno, como tudo em nossa cidade fica envolto em poluição química”, disse ele.
“Isso levou à formação do nosso movimento público porque ecologistas certificados, por assim dizer, só se reuniam para mesas redondas e conversavam, mas não faziam nada. Autoridades também só faziam promessas."
Prejudicada por esse problema ambiental por décadas, Krasnoyarsk, frequentemente é classificada como uma das cidades mais problemáticas ambientalmente da Rússia. Dados oficiais indicam um nível "muito alto" de poluição do ar com várias substâncias tóxicas presentes.
Na maioria dos dias de janeiro, o monitoramento independente da qualidade do ar feito por cidadãos registrou níveis elevados de PM2,5 — partículas finas produzidas pela combustão de combustíveis fósseis e biomassa — excedendo em muito os limites considerados seguros.
O fato é que a causa da situação na região é bem conhecida de todos, autoridades e população mas, a solução não chega nunca por falta de real interesse dos poderes políticos, intimamente comprometidos com aqueles que detêm o poder econômico das indústrias locais, que não se interessam em investir na modernização das instalações, que datam da era soviética.
FONTES
Eerie black snow falls over Siberian region triggering acute pollution concerns from locals
SIBERIAN TIMES, 15 February 2019
https://web.archive.org/web/20190215181319/https://siberiantimes.com/other/others/news/eerie-black-snow-falls-over-siberian-region-triggering-acute-pollution-concerns-from-locals/
Black snow falls from the sky in Siberia, and it's toxic
CBS NEWS, February 18, 2019
https://www.cbsnews.com/news/black-snow-falls-from-the-sky-in-siberia-and-its-toxic/
KORALOVA, Lana. Black Sky, Gray Snow: Decades of Air Pollution Leave Siberia's Krasnoyarsk Struggling to Breathe
THE MOSCOW TIMES, Feb 26, 2024
https://www.themoscowtimes.com/2024/02/26/black-sky-gray-snow-decades-of-air-pollution-leave-siberias-krasnoyarsk-struggling-to-breathe-a84081